Alguns anos acabam se tornando marcos de mudanças culturais. O ano de 2021 foi um desses, com a pandemia do Covid-19 sendo a primeira ameaça real à nossa cultura desde a Segunda Guerra Mundial. Como consequência, a arquitetura irá mudar e pode evoluir passando a valorizar as motivações individuais como um fator para entendê-la, em oposição à valorização de sua forma como justificativa estética.
Acho que essa mudança foi um momento único na história do design americano, quando a obsessão cultural na forma se revelou absurda. Naquele breve momento, os desafios e as respostas estéticas na arquitetura colidiram e explodiram. Em 2018, a gestão Trump nomeou Justin Shubow, presidente da National Civic Art Society, para a Comissão de Belas Artes dos EUA. A missão da Sociedade é “... fazer a tradição clássica na arquitetura prosperar ...” Shubow afirmou que "a arquitetura contemporânea é em geral um fracasso, feia, estranhao e desagradável, que criou um ambiente construído que é degradado ...". Quando Trump perdeu a presidência, Shubow foi eleito presidente da Comissão em janeiro de 2021.
Um dos resultados do fim do governo Trump e da ascensão de Shubow à presidência da Comissão foi um esforço de última hora para reformular a ordem federal dos “Princípios Orientadores para a Arquitetura Federal”, emitida pela primeira vez em 1962. A nova ordem garantiria que “o estilo arquitetônico clássico será o estilo preferido e padrão” para edifícios federais novos e reformados. Haveria um novo "Comitê do Presidente para a Recuperação da Beleza da Arquitetura Federal". Sua intenção explícita era "atualizar as políticas que orientam a arquitetura federal para ... garantir que os arquitetos que projetam edifícios federais atendam a seus clientes, o povo americano". A administração Trump tentou desesperadamente definir a beleza nessa repartição governamental para promover a “bela arquitetura cívica federal”.
Vários arquitetos que estão em evidência no presente se manifestaram para declarar que a arquitetura clássica personifica o fascismo, enquanto outros arquitetos conservadores condenaram o modernismo e os modernistas como literalmente maus.
Essas "guerras de estilo" seriam tristes se o debate não fosse tão estúpido. “Estilo” é um resultado, não um ponto de partida e, na arquitetura, os resultados são apenas a ponta do iceberg. Reduzir as motivações desses resultados com base no “estilo” a motivos “fascistas” ou “malignos” é fútil. Até os resultados da pesquisa Harris de outubro de 2020, feita para avaliar a arquitetura preferida dos americanos para edifícios federais, mostram que: cerca de 30% dos americanos preferem a arquitetura moderna (maligna), enquanto 70% gostam mais da arquitetura tradicional (fascista). Não há dogmas, nenhuma verdade é absoluta em qualquer "estilo" de arquitetura.
Essa pequena ópera cômica de manifestações agressivas acaba sendo totalmente ignorante. A arquitetura pode estar deixando para trás um século de organizações hierárquicas, mas isso não tem nada a ver com "estilo". Nathan Robinson, na revista Current Affairs, relata a insanidade pretenciosa dessa postura: “Para mim, é perfeitamente compreensível que a direita tenha manchado a reputação de palavras como nostalgia, história, cultura e tradição ... Mas é um erro rejeitar o patrimônio cultural e dizer que essas memórias são coisas de nazistas. Não devemos aceitar a fantasiosa escolha entre o minimalismo frio e a falsidade trumpiana. Propor algo totalmente novo é muito melhor e é possível. Se pudermos encontrar algo novo, isso pode trazer uma alternativa para uma releitura do passado.”
Após eleições, a administração do governo Trump foi indicada para deixar o órgão. Shubow e a maioria dos membros classicistas da Comissão recusaram-se a renunciar e foram demitidos. Mas essa novela é repleta de drama e de clichês. A essência dessa divergência de ideias reside na necessidade dos humanos definirem o espaço construído que, por sua vez, reflete a necessidade humana de controle.
A arquitetura é de natureza humana e incorpora todas as nossas fraquezas, preconceitos, nobreza e arrogância. Mas a beleza também é humana – talvez 2022 permita que essa realidade seja plenamente apreciada.